Quando criança, o meu pai sempre foi um menino levado.
Ele não gostava de estudar, abandonou a escola no 6º ano e queria mesmo era se divertir.
No entanto, nem sempre as brincadeiras eram divertidas para os outros, principalmente para os seus irmãos, pois ele era o irmão mais velho, exercendo, assim, certa autoridade perante eles.
Recordo, também, das poucas vezes que o meu pai contou como era a sua infância, sempre foi de meu conhecimento que ele era um menino levado e que gostava de brincar muito.
Contudo, o meu avó, pai do meu pai, era alcoólatra, segundo o meu pai, o vovô saia para beber e não voltava mais. Então, a vovó ia buscá-los nos bares com os filhos em baixo do braço, a infância do meu pai não se estendeu como deveria.
Aos 13 anos de idade ele já trabalhava para a família dirigindo e puxando fretes com o caminhão. Hoje, meu pai não viaja mais, mas por muitos anos, o meu contato com ele era semanal.
Querido papai.
Eu sinto muito.
Sinto, pois acredito que o senhor gostaria de ter brincado mais, eu vejo o quão difícil foi para você.
Eu honro isso, papai.
A mamãe, diferente do papai, não era indisciplinada, o vovô era mais rigoroso e não permitia mal comportamento. Assim, mamãe precisava andar na linha.
Recordo de quando a mamãe contava que não podia adoçar o café com açúcar, pois não tinham o suficiente para todos os seis filhos, assim, vovô falava que se eles mexessem bastante o café, ele se adoçaria magicamente, o que segundo ela, acontecia.
Mamãe também contava que o vovô tinha um mercado, o qual ficava localizado um pouco acima da casa em que moravam, por isso, sempre que pretendiam assistir televisão, um dos irmãos ficava espiando na janela para os outros assistirem, pois, senão, o vovô surrava todo mundo.
Vovô, depois de muitos anos trabalhando, conseguiu se estruturar e conquistar uma vida boa, mas, por anos, viveu sem desfrutar do dinheiro que recebia, no intuito de guardá-lo para qualquer emergência.
Tanto que, quando reformaram a casa, encontraram dinheiro enterrado que sequer valia mais.
Quando adolescentes, papai sempre pode fazer tudo.Desde jovem era dono do próprio nariz e fazia tudo aquilo que bem entendia. Namorava, andava de carro, ia em festas, curtia do jeito que acreditava ser o melhor possível.
Mamãe, novamente contrária a ele, não podia sair e nem namorar, inclusive, quando conheceu papai, sofreu com as traições e a solitude.
Segundo mamãe, eu fui concebida durante uma viajem que ela fez com o papai em um momento de fúria com o vovô, pois ele não deixava que ela saísse para aproveitar e viver a vida, então ela foi escondida e desobedeceu as ordens de seu pai.
Logo após, eles casaram.
Ambos tinham 20 anos de idade, eram jovens e não sabiam se portar como deveriam.Papai era ciumento e possessivo. Mamãe, paciente e obediente.
Eu, depois de tomar consciência de tudo, vejo como adquiri 50% de cada um. Quando criança, era paciente e calma, assim como a mamãe, eu gostava de brincar e não reclamava de nada, ficava irritada apenas quando mamãe saia de perto de mim, como uma boa canceriana.
Contudo, também herdei a impulsividade e ansiedade de papai, quando preciso tomar alguma decisão ou quando algo me desafia, perco o sono, mesmo sabendo que darei conta.
Assim como papai.
Hoje, percebo a minha obediência ao sistema familiar, por muito vivi sem nem ao menos questionar, apenas repetindo padrão.
No entanto, agora eu tomo consciência e peço permissão para fazer diferente.
Papai e mamãe, eu honro vocês.