É sempre tempo de ter uma infância feliz; é sempre tempo de se curar.
Ah Olinda... quantas Marianas existem que não têm um Reginaldo? Quantas crianças aprisionadas pela lealdade, sem direito à felicidade? Quantos sofrimentos inócuos e dispensáveis!
Você pediu (que você já fez ou faz pelos seus pais, em nome do amor e do pertencimento?) e vou narrar um episódio, Olinda. Ele se enquadra na sua aula do Módulo 2 (2.2)!
Era o dia 11/11/1989, por volta das 22:00, no estacionamento de uma restaurante de beira de estrada.
Eu estava acompanhando o traslado do corpo daquela que fora a minha mãe e que falecera no seu estado natal durante a visita anual que fazia aos túmulos de seus familiares, no feriado de finados. Que ironia, nesse ano ela decidiu, sem aviso, ir ao encontro definitivo deles.
Não fora conscientemente deliberada a sua partida, mas coube a mim, a filha caçula, afastar-me temporariamente do emprego e ir até onde estava internada porque passara mal na viagem de ônibus interestadual. E, naquele dia 11/11/89, coube a mim acompanhá-la de volta, em sua última viagem na Terra.
Nesse dia, eu, meu marido e a nossa filha dividimos toda a dor que sentíamos, Ninguém ali podia dizer que sofria mais. Estávamos os três órfãos nesse momento.
Contratamos o serviço funerário e acompanhamos o cortejo em nosso próprio carro num trajeto que duraria aproximadamente 6 horas de viagem. Porém, os condutores do veículo funerário supuseram-se no direito de parar no meio da estrada para jantar e descansar. Afinal, para eles era apenas mais um corpo que transportavam.
Não enxergavam o nosso sofrimento.
Discutir e tentar impedir tal despropósito? Já não tínhamos forças física e mental para tanto. Já havíamos chorado lágrimas sem fim.
Aguardamos que se alimentassem e descansassem, pois também nós estávamos exauridos de 10 dias aguardando esse desfecho e eles tinham o controle sobre o veículo.
Além disso, havia conosco uma criança de 6 anos que perdera a avó que ela adorava e não era conveniente impor-lhe mais uma dor com uma briga inoportuna ali.
Melhor aceitar a conduta insensível e desrespeitosa deles; melhor não agravar o sofrimento que já era insuportável.
Eu era jovem e, aos 29 anos, não podia bem aquilatar o custo de certas decisões tomadas sob o jugo da impulsividade.
Dizem que desgraça pouca é bobagem. Creio que o ditado popular tem fundo de verdade.
E, naquela noite gelada, sentindo também frio na minha alma, aproximei-me sozinha do esquife e com amor cego selei o meu destino à dor e ao fracasso.
Jurei à minha mãe, junto ao seu caixão, que cuidaria do seu esposo, a quem ela tanto amou, como se ele fosse um bebezinho que ficara órfão.
Não percebi a gravidade da promessa que fazia e, como era de se esperar, sofri depois o impacto dessa atitude de arrogância infantil que, na ocasião, era o meu amor cego que se expressava em face do pertencimento.
Era a tal lealdade que você citou, querida educadora Olinda.
Como Bert Hellinger ensinou, o destino não se comove com lágrimas e, por isso, eu chorei muitas e muitas lágrimas depois dessa pretensiosa atitude. Chorei e fiz chorar aqueles que me amavam tanto.
Eu havia escolhido a lealdade à felicidade!
Mas felizmente - me desculpe o trocadilho - a gente cansa de sofrer e eu cansei. Graças a Deus, ouso dizer.
Sem entender como nem porque escolhi renunciar à inocência de consciência e quebrei a promessa. E olha que quebrar uma promessa feita junto a um caixão não é fácil não.
Faz a gente se sentir perjurando e desleal.
Preferi então carregar o peso da culpa dessa quebra de lealdade e ser feliz com o meu marido e a nossa filha.
Preferi viver melhor.
Anos depois dessa decisão, conheci as Constelações Sistêmicas Familiares e fui entender que apesar da culpa (entenda-se 'deslealdade') posso me reconhecer como boa filha que sempre fui, tanto para a minha mãe quanto para o meu pai. Que o amor ao vínculo não pode fazer promessas impossíveis.
Que o destino do meu pai é dele e o meu é apenas meu.
Hoje, assistindo à aula, adorei ouvir que é sempre tempo de ter uma infância feliz; é sempre tempo de se curar!
Que bom que é assim!
Gratidão Olinda por me lembrar isso!
Gratidão!