Queridos antepassados, eu vejo vocês, só agora que parei para olhá-los como pertencentes ao meu sistema. Sinto muito por tudo o que tiveram que enfrentar em suas passagens por esta terra. Sinto mais ainda por minha família ser muito fechada e guardar muitos segredos, dessa forma, soube pouquíssimo sobre vocês.
Meu querido vovô paterno, nem cheguei a te conhecer, mas meus familiares falam muito bem de você, que era uma pessoa boa, calma, que tratava bem a todos e por ser tão abundante e generoso muitas vezes foi enganado e te passaram para trás nos seus negócios.
Também me disseram que era muito passivo, optava ficar quieto para não discutir com vovó, sinto muito vovozinho amado, por tudo de ruim que ocorreu na sua vida, imagino que suportava muitas coisas por causa dos filhos, já que seu primeiro relacionamento já não tinha dado certo e que ficou com muitos filhos para criar. Eu vejo você vovô, queria muito ter te conhecido.
Te honro e sou grata por toda a sua vida e por ter feito o seu melhor.
Minha amada vovó paterna, conheci você muito pouco, tão pouco que não lembro quase nada a seu respeito, somente alguns traços da sua fisionomia.
Quanto ao seu jeito de ser, sempre me falaram que era uma pessoa muito amarga, cheia de rancor e tratava muito mal as pessoas, que explorava os filhos no serviço e que brigava muito com meu vovô, não sei como você era de verdade, porém imagino, que tenha tido seus motivos para ser assim, com certeza suas vivências a tornaram o que foi.
Soube que quando conheceu meu vovô, também já tinha vários filhos e não tinha praticamente nada, que os dois juntaram o que lhes restava e resolveram construir uma grande família a partir daí, e coloca grande nisso, com os filhos que tiveram juntos, somaram 22 filhos, não é para qualquer um.
Só dessa informação imagino como você teve que se desprender de si para dar conta de tantas outras vidas, entendo porque teve o cigarro como seu fiel escudeiro até a morte. Eu vejo você vovó, vejo todo o seu sofrimento, te amo do jeito que você é, não julgo suas atitudes e honro todo o seu esforço para ser a matriarca de uma família tão numerosa e com diferentes sistemas.
Meu amado vovô materno, de você apenas tenho na mente a foto que minha vovó guardava do seu funeral, com minha mãe pequena ao seu lado, lhe dando o último adeus. Não ouvi quase nada a seu respeito, apenas que trabalhava nas usinas no Nordeste aonde acidentalmente perdeu a vida. Sinto muito por tudo o que passou, por tudo o que talvez não conseguiu realizar, por ter que deixar minha mãe tão pequenina. Vejo você vovô, e honro esse homem integro e trabalhador que foi.
Minha querida vovó materna, que alegria a minha quando a conheci, já tinha 16 anos, até então acreditava que a Senhora tinha falecido, visto que era essa a história que mamãe contava, tanto que rezávamos para sua alma todos os dias de finados, pois a última vez que mamãe tinha lhe visto foi quando ela tinha 14 anos. Mamãe falava muito pouco sobre você, a dor que ela carregava era muito grande para relembrar, e falar da Senhora para nós, era reviver o abandono, a ausência a dor de não ter tido escolha.
Afinal ela associava todo o sofrimento da sua vida, a sua atitude de deixa-la sozinha numa cidade que não conhecia, sabendo que ela não tinha como voltar para o Nordeste.
Quando lhe conheci vovó, foi uma mistura de emoção e de dor, afinal lembrar do sofrimento da minha mãe também me fazia sofrer e não entendia a razão de uma mãe abandonar uma filha adolescente, sabendo que tantas coisas ruins que poderiam lhe acontecer. Foi muito triste.
Depois, tive a oportunidade de conviver um pouco contigo, saber um pouco mais sobre você, descobri que era uma baiana arretada, cheia vigor e como dizia mamãe não se rebaixava para ninguém (mamãe era bem assim heheheh), sinto muito que foi por pouquíssimo tempo, mamãe não conseguiu superar a dor de tantos anos de ausência e as cobranças começaram a surgir, as duas sofreram muito, então você retornou para a Bahia e só fui lhe ver novamente 9 anos depois.
Não fazia ideia que era a última vez. Porém, voltei para casa muito feliz porque percebi que ali a Senhora e minha mãe estavam se perdoando, era nítido nos abraços, nas carícias, nas revoltas da mamãe quando a tia não lhe tratava bem. Ah vovó, não foi à toa que eu vivi esse momento, tenho certeza disso. Tudo isso era preparação. Eu vejo você, minha amada vovó, sinto muito pelo sofrimento imenso que carregou longos anos da sua vida, por todas as escolhas que teve que fazer, pelas vezes que foi enganada, traída e excluída.
Eu honro a sua existência e tudo o que vivenciou.
Meus bisavôs queridos eu honro todos vocês e sou grata por terem enfrentado as longas e dolorosas viagens de navios para chegarem até esta terra, aonde tinham esperança de uma vida melhor e mais digna. Sinto muito por terem sido capturados de seus habitats naturais sendo forçados a viver de uma forma que não escolheram.
Eu amo todos vocês do meu sistema, incluo todos os homens e mulheres, vocês pertencem e foram fundamentais para que eu estivesse aqui, passando a minha experiência e ter a oportunidade de olhar para todos vocês; eu sinto muito por todo o sofrimento que tiveram que suportar por não terem a oportunidade de conhecer e reconhecer nosso sistema; pelos filhos que perderam, por todos que tiveram suas vidas ceifadas de forma bruta e dolorosa, eu peço perdão pelas vezes que lhes cobrei, julguei ou critiquei, sem saber ocupar o meu lugar.
Eu não conhecia meu sistema, não olhava para vocês, porém hoje quero expressar do fundo do meu coração a minha gratidão por tê-los como meus antepassados e faço uma reverência a cada um, incluindo-os e respeitando cada um na sua ordem.
GRATIDÃO!
Com amor e carinho.