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NOITES ESCURAS DA ALMA

NOITES ESCURAS DA ALMA
Paula Azevedo
mai. 20 - 7 min de leitura
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Todos nós passamos por noites escuras, pois elas fazem parte da condição humana...

Segundo Olinda Guedes, as noites escuras, são épocas de muita ansiedade, angústia e de muita solidão.  Nestas épocas, mergulhamos em memórias pessoais e transgeracionais.

Compreendo as noites escuras da alma como um processo de luto pessoal, de perda, pode ser uma perda financeira por meio do desemprego, um divórcio, a perda de um ideal por meio de uma desilusão produzida pela realidade, um aborto de um filho muito desejado, e por fim, a perda de uma pessoa muito próxima e querida.

Penso que o termo “noite escura da alma” de S. João da Cruz pode ser facilmente substituído pela expressão que Davi usou no Salmo 23[1]: o “vale da sombra da morte”, pois, as noites escuras da alma nos confrontam com as pequenas mortes de cada dia, e talvez com nossa própria morte.

A pandemia de COVID-19 é uma noite escura da alma coletiva, no qual estamos sendo confrontados com nossa falibilidade, impotência e morte por meio da morte de desconhecidos, conhecidos, colegas de trabalho, amigos e familiares. Este acontecimento atinge cada pessoa de uma maneira específica, em uns vai despertar as memórias de encarceramento, de privação de liberdade vividas pelo sistema, em outros vai despertar as memórias de perdas financeiras, memórias de falências, em outros as dificuldades de convivência com a família, ou a solidão por estar isolado da família, em ainda outros vai despertar memórias de abandono e rejeição.

Atravessar uma noite escura da alma é desafiador, assim como é desafiador este tempo que estamos vivendo.

Porém, há uma boa nova!

Há cura para todo sofrimento e podemos encarar todo este desafio sabendo que Deus trabalha no turno da noite! Tudo passa, Davi fala que “O choro pode durar uma noite e a alegria vem pela manhã”[2].

Este tempo pode ser um tempo de profunda reconciliação com a vida, pois a pandemia veio para nos destituir de nossos delírios de onipotência e nos tornar mais humildes. A pandemia veio para que olhássemos apenas para o essencial.

Existem riquezas e verdades que só podem ser encontradas na noite escura...

E como você atravessa este período? Como você passa pelo sofrimento? Gosto muito das afirmações da Olinda Guedes em seu livro: “Além do Aparente” quando ela fala sobre a duração de uma noite escura: “Se nosso nível de consciência, estiver no nível de Moisés, dura 40 anos, e se estiver no nível do Cristo, 40 dias”. Ela assim o diz por que a duração de uma noite escura tem a ver com a nossa postura interna, se concordamos com o sofrimento, ela desaparece, mas se brigarmos com ela, se nos colocarmos como vítimas, podemos experimentar o sofrimento por décadas, andando em um círculo dor sem fim.

Também gosto de pensar na travessia da noite escura da alma, como um processo de luto. Para dar clareza a este processo, trago as 5 etapas do luto, cunhadas por Elisabeth Kübler-Ross em seu livro: “Sobre a morte e o morrer[3]”:

1 – Negação: É um mecanismo de defesa, consiste em negar a realidade, negar o término de uma relação, negar o fim de um ciclo existencial; Quantas pessoas depois de mais de um ano de isolamento social e diante de tantas mortes ainda negam a gravidade da pandemia de Covid 19?

2 - Raiva: Por que isso está acontecendo comigo? Raiva pela interrupção precoce das nossas atividades, pelas construções que deixamos inacabadas, raiva porque nossos planos não saíram exatamente como gostaríamos; No início do isolamento social, senti muita raiva, tinha acabado de ingressar em um novo emprego, estava com todo gás do mundo querendo trabalhar e de repente tudo mudou, senti muita raiva inicialmente por que as coisas não saíram do jeito como eu imaginava, tive que replanejar muitos aspectos da minha vida e isso me deixou muito brava.

3- Barganha (negociação): Segundo Kübler-Ross, é um período curto, uma tentativa desesperada para se conseguir o que se deseja, é uma tentativa de adiamento do inevitável... A maioria das barganhas são feitas com Deus, e em segredo... Nesta fase, é quando fazemos as promessas do tipo, Deus se você livrar dessa, eu faço isso e isso...

4 – Depressão: É quando as fichas caem, há uma reclusão para o mundo interno, é o primeiro passo para a aceitação do sofrimento, da situação dolorosa em si.

5 – Aceitação: É quando se aceita a realidade tal como ela é... É um estado de paz e concordância diante da realidade, seja ela qual for.

Existem processos de luto que são saudáveis, e terminam dentro da expectativa, mas já vi outros que se prologam demais, são os chamados lutos não elaborados ou mal elaborados.

Lembro-me da última vez em que meu marido esteve desempregado, este período durou 09 meses, janeiro a outubro de 2017. Vivemos uma noite escura enquanto família, quantas memórias foram despertadas nele, em nós naquele período, memórias de abandono, memórias de injustiça sofridas por antepassados, memórias de escassez. Foi difícil, mas saímos da situação fortalecidos e apaziguados. O interessante é que soubemos que a vaga que ele ocupou em seu novo emprego esteve disponível desde fevereiro daquele ano, mas ele só esteve disponível para a vaga em outubro. Apesar de ter sido demitido em janeiro, em seu interior, havia uma grande dificuldade de deixar aquele lugar, de se desligar da sua antiga empresa, seu processo de luto durou 9 meses e quando ele finalmente esteve livre da empresa antiga em seu coração, isto é, quando enfim pôde elaborar o luto, ele pôde vivenciar o novo.

Lutos não elaborados ou mal elaborados podem apontar para memórias pessoais, para situações traumáticas na infância, mas também apontam para memórias transgeracionais, isto é, desemprego, perdas, a própria pandemia podem ser gatilhos de grandes sofrimentos acontecidos num passado distante, a duas, três gerações ou mais gerações passadas. Neste caso, as Constelações, enquanto intervenções sensoriais podem ajudar a desvendar a origem dos emaranhamentos, das lealdades e pactos ocultos que envolvem nosso cliente, aquela pessoa que temos diante de nós impedindo-a de seguir em frente.

 


[1] Salmo 23, versículo 4 – Salmo de Davi, Bíblia Sagrada.

[2] Salmo 30, versículo 5, parte b – Salmo de Davi, Bíblia Sagrada.

[3] Sobre a morte e o morrer – Elisabeth Kübler-Ross, Ed. Martins Fontes.

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