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O AMOR INOCENTE, O AMOR DA CRIANÇA

O AMOR INOCENTE, O AMOR DA CRIANÇA
Naiara Nai
dez. 19 - 14 min de leitura
030

Módulo 3


Essa história conjugal entre dois jovens, jovens mesmo, se iniciou no ano de 1979. Minha mãe com 19 anos, meu pai com 21 anos.

Esses jovens se conheceram no colégio, começaram a se relacionar e brevemente se viram diante do maior desafio da vida, trazer ao mundo um novo ser.

Realizaram seu casamento apenas com uma cerimonia civil, logicamente o casamento precisava acontecer o mais breve possível, visto que uma gravidez entre dois jovens não casados, vivendo em uma Cidade do interior, não era visto com bons olhos, então assim foi feita a vontade social.

Com a união, vieram, além da convivência, o aprofundamento do conhecimento, mas não era possível ser dada tanta atenção assim a isto, já que também vieram as dificuldades financeiras, o desemprego, as intromissões familiares e logo chegou aquele bebê lindo, um menino loiro de olhos azuis que encheu o coração da família, mas também alterou ainda mais um sistema já um tanto conturbado.

Então, entremeio às dificuldades de moradia e financeira, essa jovem mãe caiu em depressão severa, que lhe custou perda de quilos, queda de cabelo, choro, medo de morrer, dias sem sair da cama, sem tomar um banho e principalmente sem o devido apoio, sem o olhar daquele jovem marido, sem a paciência, ou o entendimento pois aquilo tudo na visão dele era frescura.

E como a vida não é fácil mesmo, uma enorme enchente acometeu a pequena Cidade e o pouco que tinham foi levado pelo Rio Iguaçu. Sem ter para onde correr, mudaram para a Cidade de Curitiba e no helicóptero trouxeram, além dos poucos pertences, mais uma criança no ventre daquela mãe já debilitada.

Fragilizada, em uma Cidade grande, morando de favor, sem dinheiro, com um filho pequeno, e agora... mais uma a caminho. Então, mais uma vez, todo aquele cenário já difícil, subiu o patamar, agora sem ninguém mesmo para ajudar. Logo nasceu mais um bebê, agora uma menina, olhos castanhos e cabelos pretos e a continuação de uma angústia pela incerteza da vida.

Morando em uma comunidade, a vida exigiu muito trabalho para mudar aquela situação toda, e assim foi feito. O pai, apesar da sua postura fria e indiferente, soube prover a sua família com o dinheiro para uma mudança de vida, embora isso tenha custado àquela mãe algumas humilhações por ser sustentada financeiramente, mesmo sendo responsável por todo o cuidado doméstico e dos filhos.

Os anos correram, as crianças cresciam e as observações sobre aquele relacionamento também. Pelo olhar daquela jovem, ela constatava a inexistência de carinho, de um beijo ou abraço, uma boa conversa, uma boa risada, um programa junto ou até mesmo em família… por que não? Então ela se pegava pensando: alguma coisa aqui está errada.

O tempo passou ainda mais, as crianças um pouco mais crescidas e junto com elas as brigas, gritos, xingamentos, ofensas, acusações, traições, abuso, ausência física e emocional. Ali naquela casa não existia um lar, existia uma vida individual e, agora com os filhos maiores, esses seguiam os mesmos passos. Até que for fim, aquela jovem, agora mulher, conseguiu se libertar desse ciclo, para iniciar uma outra longa e difícil jornada.

Talvez ela só tenha repetido alguns atos já conhecidos dentro do seu sistema, coisas que ela viveu antes dessa etapa da sua vida. Era a segunda filha de seis irmãos, sendo 4 mulheres e 2 homens, sua mãe se casou muito jovem, com 17 anos,  com o amor da sua vida?

Não, claro que não, casou-se com o marido escolhido pelo seu pai, e se assim era preciso, então que assim novamente fosse feita a vontade social.

Não demorou muito para nascer a primeira filha, 2 anos após a segunda filha, e de 2 em 2 anos nasceram os 6 irmãos. E a infância daquela menina? Aquela menina que precisa cuidar da casa e dos irmãos, já que sua mãe chorava em uma cama por depressão, pela grosseria do marido e agressões?

Ou talvez pela dificuldade financeira que passavam? E o pai da menina? Era um pai  ausente da casa, pois além do trabalho como madeireiro que viajava muito, ainda precisava se divertir em casas noturnas e, assim, logicamente não sobrava o dinheiro para colocar em casa.

E assim ela cresceu, uma criança que chorava muito, sentia não pertencer àquele lugar, tinha desejo de outra vida e coisas diferentes, ela gostava do belo das coisas arrumadas, cheirosas e limpas de tomar seus banhos todos os dias, de ter uma comida diferente na mesa, mas o seu sonho também foi adiado com o falecimento precoce do pai em um acidente na estrada retornando para sua Cidade.

A sua mãe se viu realmente sozinha, com crianças ainda pequenas para sustentar, então levou a vida com muito esforço, trabalho e dedicação para manter aqueles 6 filhos juntos, onde um cuidava do outro como podiam e sempre contando com o olhar de Deus.

Conseguiram estudar em bons colégios com bolsas de estudo que a sua mãe pedia para as freiras da cidade, isso também trouxe algumas marcas já que a escola era particular, uma das melhores da cidade, então aquela menina não entendia por que suas amigas tinham boas roupas, comida farta e casas lindas e arrumadas e a sua família não. 

E aquelas crianças se revezavam entre estudo, trabalho, e afazeres domésticos dentro da simplicidade da realidade de suas vidas, já que a mãe era enfermeira e ficava praticamente ausente de casa, em seus turnos de trabalho nos hospitais e como cuidadora particular.

Agora, uma coisa seja dita, faltaram bens dentro da casa, mas não o amor entre eles, isso foi plantando todos os dias para quem sabe dar a força necessária para a vida.

E não vamos esquecer daquele jovem pai, que com toda certeza carregava em seu corpo o sofrimento de uma infância tão dura quanto fria. O sétimo filho de 13 irmãos sendo dois falecidos ainda crianças, não sei nem dizer a diferença de idade entre eles. Uma criança que cresceu em uma cidade do interior no meio de muita pobreza, tendo que trabalhar desde muito pequeno nos mais diferentes serviços, um pai ausente de poucas palavras, sem tempo de olhar para aqueles filhos e com corriqueiro costume do álcool, motivo esse do seu falecimento.

A mãe, uma jovem moça da qual praticamente não se ouvia voz, sem palavras para praticamente nada, apenas uma absoluta obediência para aquele marido, e tendo que dar conta de todas aquelas crianças que viviam em uma pequena casa de madeira ondear se dividiam em dois pequenos quartos, e em uma pequena sala emendada na cozinha, e um banheiro fora da casa.

Precisavam sair de casa cedo, as moças logo precisam arrumar um casamento, 14 ou 15 anos já era idade mais que suficiente para estarem esperando um filho. Já os rapazes mesmo sem a oportunidade para o estudo, precisavam se arrumar em algum trabalho e dar destino para as suas vidas.

Esse menino cresceu e entrou para o exército, e foi justamente nessa época que ele também começou a cometer seus primeiros crimes em sigilo, que após muitos anos a família veio a descobrir, sua primeira acusação de estupro, e a sua primeira filha com uma outra moça, filha essa que não foi reconhecida, muito pelo contrário, foi escondida da família por muitos anos, e nesse momento do nascimento dessa criança iniciou o relacionamento conjugal entre esses dois jovens.

Os dois com vidas duras de muita escassez e ausência de afeto conseguiram dar sequência nessa família à qual eu pertenço.

Então, olhando esse passado e traçando um paralelo dos desafios que carrego na minha vida, sem dúvida giram em torno de dois importantes temas, o primeiro, o afetivo, e o segundo, o financeiro. Não é fácil crescer em uma casa sem exemplos positivos de afeto de como se relacionar matrimonialmente e depois, adulta, mãe de duas crianças me pego repetindo a frieza que carrego dolorosamente em mim, não só com meus filhos, mas também com meu marido, muitas e muitas vezes sem intenção, mas quando me observo eu já feri, eu já não cuidei, eu já não fui gentil eu já magoei.

Um grande desafio também que trago comigo em um exercício diário é saber falar a palavra, desculpa, pois reconhecer o erro em mim, reconhecer que eu falhei, ou que eu não soube fazer, é extremamente difícil. Mas hoje pratico muitas vezes isso com minha filha que já tem um entendimento maior, choro me arrependo, me culpabilizo, mas no outro dia eu tento novamente.

Muitas vezes, me pego na rotina da minha casa com observações que parecem ser para meu pai mas na verdade são para meu marido, que também é um homem mais fechado, mas longe de ser como meu pai, o que eles tem em comum?

Trabalham viajando, aliás assim como meu avô materno, então tenho uma ausência a ser superada juntamente com a criação de duas crianças, estando sozinha e sem uma rede de apoio, igualmente à minha mãe e às minhas avós.

Meu marido é uma mistura de carinho e amor com muita rigidez, ele é um homem íntegro, responsável não só financeiramente, mas um homem muito dedicado à família. 

O que vejo uma repetição na minha vida sobre meu sistema é como resolver as discordâncias, que muitas vezes acabam em discussões, assim como eram na minha casa quando pequena. O que mais eu vejo como repetição? Financeiramente eu tenho uma vida estruturada, mas pelas mãos do meu marido, que é um excelente profissional e ama o trabalho que realiza.

Mas pelas minhas mãos sempre tive uma vida de muito sacrifício financeiro.

Apesar de todas as dificuldades que eu enfrentei dentro da minha casa, depois do abuso que sofri, eu tive forças com 15 anos para ir atrás do meu sustento, trabalhei em várias profissões até me estabelecer no mercado, mas sempre com muita dificuldade.

As promoções, sempre, quase aconteciam mas nunca se concretizavam e hoje depois de uma transição de carreira, sofro com prejuízos meses após meses, isso eu vejo igualmente como a minha mãe e também como minha avó materna, mulheres que lutaram mas o retorno nunca foi proporcional ao esforço.

Por isso hoje reverencio o meu sistema, sou grata por tudo o que passei e principalmente pela oportunidade de hoje estar saindo dessa ignorância e tendo a oportunidade de encerrar com ciclos de sofrimentos. E sou grata à minha amada primogênita nascida, que por ela senti a grande necessidade de lutar por uma família funcional, por um lar e não uma moradia.

Sou grata a todas as mulheres dos meu sistema que com muito sacrifício trouxeram ao mundo e criaram seus filhos como foi possível; sou grata aos homens do meu sistema que se esforçaram para trabalhar e sustentar suas famílias, da forma que eles tinham de possibilidades mesmo diante de tanta dificuldade, fome, medo e solidão, não só por serem refugiados de guerras e porque deixaram seus países para tentar uma nova vida, mas também porque eles tinham que crescer de forma dura sem a possibilidade de demonstrar qualquer afeto, precisam ser fortes e com isso tinham que aprender a deixar qualquer sentimento de lado.

Eu entendo e sinto muito por gerações nascidas e crescidas sem afeto, pelas crianças que precisaram crescer cedo demais sem o devido olhar e cuidado de mãe; eu sinto em mim todo esse sofrimento essa vontade do amor que nunca chegou; eu entendo que vocês fizeram o que estava dentro das possibilidades de cada um.

Minha querida mãe, hoje eu sei o porquê você não teve condições de me conduzir para um amor paterno, você também não teve essa condução, seus anos de depressão eram a súplica pelo colo da sua mãe, a sua luta por um sustento, veio pela falta do seu pai e por sua morte prematura.

Meu pai, eu sinto muito pela sua difícil jornada, mas infelizmente você ultrapassou o seu limite de pai e desde aquela noite não pude mais seguir como a sua filha, reconheço em você os seus esforços que teve no cuidado a mim e do meu irmão, agradeço por me dar a vida, mas entrego a você a carga que lhe é devida.

Aos meus antepassados deixo todo o meu profundo agradecimento por me trazerem até aqui, com força e capacidade de olhar o meu sistema familiar, e assim me dar condições de agora conduzir da melhor forma possível a minha vida. Encerro laços e vínculos de amor, saibam que eu continuo pertencendo a essa família (Ribeiro e Hurst) mas agora vou carregar comigo apenas as forças que vocês me deram, o conhecimento e o amor saudável, pelos meus filhos que tanto amo e escrevo uma história diferente.

Tantas similaridades da vida de vocês que eu repeti, por minha lealdade, pela minha necessidade de pertencer e porque simplesmente amo vocês, mas esse amor é muito doído e sei que sou merecedora de toda bondade e abundância do meu Pai maior, o Universo me aguarda e guarda para mim os melhores sentimentos, eu creio nisso todos os dias, por isso amo vocês, mas decido seguir com uma nova direção.

Gratidão profunda por todos.

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