Meu sistema é marcado por sucessivas perdas, e as noites escuras da alma é um lugar bastante visitado nele.
Há exatamente dez anos, eu estava em um momento assim. Recebíamos o diagnóstico de um câncer de pulmão em minha mãe, com uma expectativa de alguns meses de vida. Ali pude compreender, e era de lá que saía o meu maior medo, de que nunca mais a minha vida seria a mesma.
É interessante este título: “Noites escuras da alma”, porque nessa época, aonde quer que eu fosse eu ouvia uma música católica o qual não sei a autoria que dizia mais ou menos assim:
“E ainda se vier noites traiçoeiras, se a cruz pesada for Cristo estará contigo, e o mundo pode até fazer você chorar, mas Deus te quer sorrindo...”
E essa música caía para mim como um bálsamo, acalmando as minhas lágrimas e me levando a compreensão da dor e o aprendizado que tudo aquilo estava me trazendo. Foi quando questionei a fé.
No fundo do meu coração, sentia que a cura dela não seria possível, ainda que várias pessoas que visitaram a minha casa acreditassem, porque já naquela época, eu também via a morte como um processo de cura, eu já entendia que ela estava a serviço.
Mais tarde pude entender que a fé vem da crença do impossível. E que embora eu não acreditasse na sua cura, acreditava que tudo aquilo era para o bem, e que iria ficar tudo bem.
Assim pude compreender que nunca ficaria desamparada, que era ai que habitava a minha fé.
Por muitas vezes meu choro foi sufocado no travesseiro, para que ela não ouvisse. E enquanto eu visitava a incerteza do amanhã com a minha mãe, eu era absolutamente grata pela chance de cada momento poder despedir dela.
Foram seis meses muito intensos, de muita dor, dedicação e tantas perguntas. É engraçado o quanto o tempo é generoso conosco, nos permitindo essas visitas, que a cada ida um novo insight é lançado.
Bem, como disse, sentia que a partir dali a minha vida mudaria para sempre.
As minhas noites escuras não interromperam com a sua partida, somente intensificaram. Inúmeras vezes pude sentir o peso da incompreensão e as perguntas sempre sem respostas, mas como bem ressaltou a Olinda, o ponto de vista do Bert, a boa culpa é aquela que compreende os fatos e entende o serviço deles.
Com toda aquela dor, incerteza, desespero, o que me levava à queixa, a desorientação e má culpa, veio o aprendizado, e o constante movimento de transformação.
Realmente, a partir dali eu nunca mais seria a mesma, era o passo para a vida adulta, era o passo para a evolução de maneira mais intensa, era a permissão que eu e meu sistema dávamos para evoluirmos diante dessas dores.
Tudo isso me trouxe até aqui, entender melhor as Constelações Sistêmicas, compreender aos poucos o meu sistema, as minhas questões e o processo de que tudo está a serviço, e que absolutamente tudo é necessário.
As noites escuras me levam a compreender que, o que temos hoje como referência de sucesso, nem sempre está atrelado ao crescimento paulatino e constante, mas talvez uma sorte dos fatos. O sucesso nem sempre está associado ao crescimento, mas o insucesso bem como as dores, doenças, perdas, esses sim, estão atrelados ao crescimento, quando vistos como aprendizado, como bem coloca o Bert, e daí surge a resiliência e a fortaleza que podemos nos tornar.
Muitos não compreenderam quando logo após a partida dela, eu disse que era muito grata por ter sido da forma que foi.
Hoje, após esses dez anos que experimentei uma severa depressão, síndrome do pânico e por sucessivas vezes a sensação de estar sozinha, e de total desespero, resultaram na certeza de me sentir mais forte e pronta para compreender a minha criança e exaltar a força do adulto que há em mim.
A ventania fortalece a árvore quando as suas raízes estão fortes e bem fincadas ao solo. E é em busca das minhas raízes que estou, e sou imensamente grata ao vento.