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O USO DA PALAVRA: DO SILÊNCIO QUE ADOECE ÀS EXPRESSÕES QUE CURAM

O USO DA PALAVRA: DO SILÊNCIO QUE ADOECE ÀS EXPRESSÕES QUE CURAM
Paula Azevedo
mai. 2 - 8 min de leitura
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Há uma máscara da qual eu ouvi falar muitas vezes durante minha infância.

Os vários relatos e descrições minuciosas pareciam me advertir que aqueles não eram meramente fatos do passado, mas memórias vivas enterradas em nossa psique, prontas para serem contadas.

Grada Kilomba em a máscara capítulo do livro memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano.

Para quem sabe ou para quem não, pertenço ao campo da educação.

A educação, principalmente a educação brasileira que é de onde falo, é um campo com muitos desafios, o principal deles para mim é a relação com pessoas, que são muito diferentes.

Temos diversas origens, credos, comportamentos, cosmovisões.

Outro desafio é a relação das pessoas com o conhecimento.

Nem todas as pessoas com as quais me relaciono no trabalho estão autorizadas pelas suas famílias, pelos seus sistemas a conhecer.

Sejam elas estudantes ou professores.

Frequentar uma escola não é sinônimo de acessar o conhecimento, pois para se chegar até ele muitas barreiras que não são físicas, mas psíquicas e sistêmicas precisam ser superadas, e mais uma vez afirmo que não falo apenas de estudantes, mas, sobretudo de professores.

Percebo que muitos professores ainda permanecem no espaço escolar porque querem completar algo que não se completou no passado.

Percebo que muitos, mesmo avançando na idade cronológica, na alma permaneceram no estágio infantil, cheios de exigências, cegos para as suas verdadeiras responsabilidades.

Por causa desse quadro, muitos docentes e gestores adoecem.

Depressão, ansiedade, síndrome do pânico, cânceres, problemas de coluna, respiratórios, digestivos e as famosas disfunções fonoaudiológicas.

Sobre estas últimas posso falar com propriedade.

Com tanto conteúdo emocional para dar conta, sem conseguir, tive uma crise de refluxo laríngo-faríngeo, que culminou numa laringite, fiquei afastada por 03 dias porque eu não tinha voz.

Confesso que foi um alívio, minha garganta, minha voz precisava descansar.

Ou será que era minha alma que precisava respirar?

Quando eu era criança, tinha problemas frequentes com amigdalite.

Lembro que meus pais até cogitaram a possibilidade de retirar minhas amígdalas para solucionar o problema.

Hoje entendo que eu não precisava ter minhas amígdalas retiradas, eu precisava falar, eu precisava ser ouvida.

Eu sempre fui uma criança muito tímida, introvertida.

Pessoas introvertidas são como icebergs, você olha e acha que está vendo 100% da realidade, enquanto na verdade apenas vê 10%, os outros 90% são invisíveis, por estarem abaixo da superfície.

Minha amigdalite falava por mim, quando não podemos falar por falta de espaço, ou por falta de autorização para tal, as doenças vêm e falam por nós.

Professores são profissionais que tem sua voz como seu principal instrumento de trabalho, muitos desses têm problemas de ordem fonoaudiológica, como nos nódulos nas pregas vocais, que causam rouquidão, cansaço vocal, pigarros, entre outros e para onde estes sintomas apontam?

Apontam para a nossa relação com a nossa profissão, que aponta para a nossa relação com nossas figuras parentais.

Medicação, terapia de voz são tratamentos fundamentais para problemas de ordem otorrinolaringológicas e fonoaudiológicas, mas precisamos olhar o essencial, que é a relação com a profissão, o que dou a ela?

O que estou exigindo dela?

Será que exijo dela mais do que posso dar?

Será que busco o trabalho tão somente para preencher minhas carências?

Será que com minha profissão estou servindo a vida?

Às vezes um sintoma vem para revelar que o amor que empregamos à profissão é um amor infantil, que é um amor cego, que adoece e não leva ninguém para a vida, para a plenitude, para abundância.

Em minha experiência, tenho percebido que quem em mim se cala é a criança que não pôde falar em ressonância com os segredos do meu sistema, em ressonância com as experiências que não foram digeridas.

Quem se cala em mim é a criança que não quer dar trabalho aos pais, que não quer incomodar, visto que já estão envolvidos com tantas questões.

 Quem cala em mim é a criança que quer proteger os pais e o sistema familiar por meio do silêncio.

 Assim sendo, há uma necessidade da criança que foi negligenciada, isto é, ser vista, ser acolhida, acariciada, ouvida.

A doença é o grito do corpo por esta atenção negligenciada.

Pois bem, não sou mais uma criança, embora esta criança permaneça viva e em muitos momentos influenciando meu comportamento.

Então, eu olho para ela, para sua fragilidade, para a sua vulnerabilidade, para seu desconforto, para a situação que ela não consegue digerir e a acolho.

Sabendo que algumas situações que esta criança me traz são difíceis de serem olhadas, vistas e aceitas, mas é o que é.

E eu acolho e integro todos os pedacinhos desta colcha de retalhos que constituem a minha história, todos eles fazem parte.

Agora eu acredito ser uma grande comunicadora, a palavra é algo que me cai tão bem.

A palavra faz parte do meu destino, a palavra que neguei e que me foi negada é o meu propósito.

Percebi por meio das constelações que para a vida chegar até a mim, em meu sistema familiar calar-se foi uma estratégia usada para lidar com o sofrimento, calar-se foi uma estratégia ancestral usada para sobreviver, pois se ousassem falar, perderiam suas vidas.

Olhando para meus antepassados vi também muita opressão, vi jogos de poder os quais foram submetidos e como muitos deles sentiram impotentes, pois suas histórias não foram contadas, a realidade com um todo não foi vista, histórias foram contadas por meio de apenas uma perspectiva.

Eu quero falar!

 Carrego em mim um desejo de contar histórias e de honrar meus ancestrais que não puderam contá-las, não puderam narrar as suas percepções da realidade.

Eu aqui e agora não posso mais me silenciar, nada me impede de falar agora.

Olinda Guedes sempre fala que se quisermos entender a métrica das constelações, o campo morfogenético, e se quisermos treinar nossas percepções, que devemos ler poesia, acordei com Viviane Mosé no coração e esta:

Receita para arrancar poemas presos.

A maioria das doenças que as pessoas tem são poemas presos.

Abcessos, tumores, nódulos, pedras.

São palavras calcificadas, poemas sem vazão.

Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre poderia um dia ter sido poema.

Mas não.

Pessoas às vezes adoecem da razão.

De gostar de palavra presa.

Palavra boa é palavra líquida.

Escorrendo em estado de lágrima.

Lágrima é dor derretida.

Dor endurecida é tumor.

Lágrima é alegria derretida

Alegria endurecida é tumor.

Lágrima é raiva derretida

Raiva endurecida é tumor

Lágrima é pessoa derretida

Pessoa endurecida é tumor.

Tempo derretido é poema.

Você pode arrancar poemas com pinças,

buchas vegetais, óleos medicinais.

Com a ponta dos dedos, com as unhas.

Você pode arrancar poemas com banhos de imersão,

Com o pente, com uma agulha, com pomada de basilicão,

Alicate de cutículas, com massagens e hidratação.

Mas não use bisturi quase nunca.

Em caso de poemas difíceis use a dança.

A dança é uma forma de arrancar poemas endurecidos do corpo,

Uma forma de soltá-los,

Das dobras dos dedos dos pés, das vértebras,

Dos punhos, das axilas, do quadril.

São os poemas cóccix, os poema virilha.

Os poema olho, os poema virilha

Os poema olho, os poema peito

Os poema sexo, os poema cílio.

Atualmente ando gostando de pensamento chão.

Pensamento chão é o poema que nasce do pé.

É poema de pé no chão

Poema de pé chão é poema de gente normal,

Gente simples,

Gente de espírito santo

Eu venho do espírito santo

Eu sou do espírito santo

Trago a vitória do espírito santo

Santo é um espírito capaz de operar milagres

sobre si mesmo.

(Do livro Pensamento Chão: poemas em prosa e verso, Ed. Record, 2007)

 

É minha gente, poesia cura!

Paula Azevedo

 

Artigo publicado pela autora na revista eletrônica pedagogia sistêmica, ano 1, número 3.

Disponível em: https://www.institutojeanlucy.com.br/revista

 

 

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