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Os filhos são os pais

Os filhos são os pais
Erica Veloso Pimentel de Mello
mai. 16 - 7 min de leitura
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Mamãe era de pouco diálogo, era amorosa a seu jeito: na comida feita com amor, no cafuné e “cosquinha” na hora de dormir, no empenho em nos incentivar aos estudos, mas também era severa:  gritava muito, batia, castigava, no trabalho doméstico era bem exigente... Não a culpo, nem a julgo mais, entendo que ela fez o melhor que podia e fez muito bem: somos bons filhos, bons irmãos e empenhamos em ser bons pais.

Não foi fácil para ela, teve uma infância de muito trabalho doméstico e da lavoura e de chicotadas, então ela só repetiu o que aprendeu. Dizia que a vó era brava, tudo era motivo de apanhar ... Muitos filhos, minha mãe é gêmea e ainda tinha os outros 7 irmãos, , minha vó trabalhava fora, imagino que não era fácil gerenciar a família. Minha vó era mulher a frente do seu tempo, naquela época era mãe, dona de casa e diretora de escola. 

Mamãe era uma mulher muito trabalhadora e batalhadora, tomou sua vida com garra quando engravidou de mim, teve que mudar de cidade para juntar-se ao meu pai, encontrar um trabalho - ela era professora - aprender a conviver com pessoas de cultura e costumes diferentes dos seus, afinal, migrou do Norte para Sul, 700 km distante de casa.

Um namorico que mudou o rumo da sua história, nem tempo suficiente teve para conhecer meu pai melhor e a fundo.  De certo se sentiu sozinha, com medo, insegura mas ainda sim disse “sim” e me concedeu a vida.

Mãezinha eu sinto muito por ter feito tanto sacrifício para que a vida chegasse até a mim. Eu agradeço muito e honro sua história. Sinto que muito do meu medo e insegurança veio desta vulnerabilidade que viveu mãezinha, eu sinto tanto! Agora já passou, temos uns aos outros, somos os irmãos que você gostaria que que nós fôssemos uns para os outros, nos apoiamos e nos cuidamos com amor, não estamos sozinhos... Já passou!”

É mesmo verdade quando B. Hellinger diz que nos apaixonamos pelo campo de dor da outra pessoa.

Meu pai teve uma infância roubada, muito sofrida e extremamente abusiva. Meu avô era uma pessoa má, o conheço apenas pelas histórias. Meu pai trabalhava como adulto e apanhava sem dó e sem piedade. Cresceu vendo o sofrimento da minha vó e com o coração ferido de ter um pai que não sabia amar.

Meu pai, diferentemente da minha mãe, não seguiu nos estudos. Uma Pena! Ele é extremamente inteligente, raciocínio lógico apurado, com muitas habilidades manuais, criativo e com disposição para trabalho e para vida inigualável.

Digo sempre pra ele:  - Pai se você tivesse estudado ia ser um profissional renomado!

Apesar dele ser mulherengo, adúltero, ele sempre foi trabalhador, as coisas eram regradas e simples, mas nunca faltou o essencial, o substancial para viver, nem mesmo os vícios de álcool e do cigarro, impediram o nosso sustento e o nosso impulso para vida, ao contrário do amor e da presença que se ausentava frequentemente.

Papai e mamãe, eu vejo vocês! Agora eu sei, não foi fácil. Vejo as renúncias e os sofrimentos que enfrentaram para que a vida chegasse até a mim. Não os julgo, os amo e agradeço pelo amor e pela entrega do SIM de vocês.”

Eu vim de longe, no ventre da minha mãe, com sua bagagem, sua esperança, suas inseguranças e seu amor... Nasci em 29/09/1979, dia auspicioso, dia de Santos Anjos, primavera, gosto muito data do meu nascimento.

Logo a família cresceu: Jurema (1981), Prissila (1983) e João Henrique (1989), o menino que não fui, mas só no sexo, porque mesmo sendo menina atendi as expectativas do meu pai, o acompanhava em tudo, fui sua companheira quando ele estava presente em casa.

Tivemos uma infância feliz, brincamos muito, éramos criativos com os recursos que tínhamos e na pobreza que vivíamos. Tínhamos sempre animais por perto, contato com a natureza. O triste foi crescer e começar ter consciência dos desafetos, das comparações maldosas, da escassez... e pior é perceber que seu pai não era um herói de verdade, e que sua mãe maravilha sofria com tanto desrespeito do seu pai.

Quando comecei a entender o que eram as manchas de batom nas camisas, as ligações que minha mãe mandava eu fazer para o trabalho do meu pai para saber sua escala porque já tinha dias que ele não vinha para casa, os choros e a raiva que ela sentia, a saudades que ela tinha de casa, o coração passou a doer, porque a dor dela, era também a minha dor. Um dia enfrentei meu pai, a imagem de herói se fez de homem, e naquele dia um vínculo de amor foi interrompido.

Naquele dia quis ser grande, mas eu era pequena. Não podia interferir nas escolhas, nem nas discussões dos meu pais. Agora eu seu, por isto peço perdão, mesmo que tenha agido por amor, eu reconheço meu lugar e respeito as decisões que foram tomadas. Eu vejo vocês!

Três ensinamentos da minha mãe marcaram minha vida:

1- Nada do que seu pai fez ou faça muda a condição dele ser seu pai.

2-Sejam bons irmãos uns para os outros, se amem, se cuidem, se respeitem.

3- O estudo é o melhor caminho para uma vida melhor.

Ela na sua sabedoria nos educou para vida, e, inconscientemente, nos preparou para o um futuro que ela não estaria presente, pois faleceu ao 49 anos acometida por um câncer de intestino. Hoje meu pai enfrenta um câncer de pâncreas e estamos aqui, cuidando dele com amor afim de retribuir a vida que nos dada.

Eu, agora adulta com 41 anos, sou mãe da Alice de 14 anos, estudei, graduei e pós-graduei, trabalho para fora desde os 18 anos, e tenho orgulho da mulher que me tornei, das minhas conquistas. Tenho esperança de ter um relacionamento conjugal funcional e de ser uma mãe mais atenciosa, gentil e amável, este são desejos do meu coração.

Sou grata por tudo que passei, todas as experiências boas e ruins, pois me tornaram quem eu sou. Sou grata por vir à luz tudo que precisa ser curado para que eu tenha uma vida feliz, próspera e abundante. 

Namastê!

 

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