É impressionante como quando paramos para analisar um conto de fadas que marcou nossa vida, nos encontramos nas entrelinhas das histórias. João e Maria me traz uma lembrança gostosa da infância. Lembro que ouvia esse conto em fita cassete no tapete da sala, ouvia o barulho da floresta, dos animais, imaginava aquela casa de doces... mas agora, com olhar apurado, consigo ver o tamanho da conexão que tenho com esta fábula.
Nesse conto, muitos elementos psicológicos podem ser analisados.
A fábula traça uma narrativa sobre o sentimento de desamparo, a busca por independência, a satisfação, frustração e, por fim, a coragem.
Quando olho para minha história de vida, hoje, com esse olhar apurado, me vejo muito conectada a essas características.
A simbologia do casal de irmãos e da floresta que pode simbolizar o lado masculino e feminino de uma pessoa que ao se deparar com uma situação de desamparo, tristeza e abandono, se vê perdida diante do "desconhecido". E essa confusão emocional que pode ser representada pela imagem da floresta e seus perigos.
Quando meu pai saiu de casa para ficar com minha madrasta, eu vivi o abandono de forma muito cruel e inexplicável. Passei muitos anos da minha vida tentando entender os motivos disso.
Nessa busca interminável eu senti na pele a sensação de estar abandonada, sozinha, numa floresta/mundo cheio de perigos e, eu precisei, usar todas as minhas versões para vencer os obstáculos que a vida me apresentava.
Me lembro dos dias que tirei forças de onde nem tinha para sobrepujar os meus desafios, e lembro dos dias que a doçura dominava para mostrar que eu podia tornar tudo mais leve.
Por mais que eu olhasse para tudo ao meu redor com gratidão, eu experienciei muitos momentos de dor em que a única coisa que eu queria era um colo ou alguém que me acolhesse no meu temporal, mas sempre, era eu quem precisava cuidar das dores dos outros e renunciar às minhas. Eu não me permitia desabar, fraquejar, mas quanto mais eu negava meu sofrimento dizendo sim para ou outros, mais ferida eu ficava.
Interessante observar que as crianças, ao serem abandonadas, se preocupam em deixar pistas para achar o caminho de volta, assim como eu, que dava sinal o tempo todo e gritava por ajuda, mesmo assim, nós acabávamos sozinhas e tendo que nos reorientar sem nenhum apoio, somente usando nossas próprias capacidades.
Nessa busca de si, João e Maria acabam por encontrar um momento de satisfação extrema, quando se veem diante de uma casa feita de doces. Eles, que estavam famintos - e a aqui pode-se relacionar à uma "fome existencial" - se empanturram de guloseimas, que na realidade não alimentam de fato.
Ah, quantas vezes, e quantas casas feitas de doces cruzaram o meu caminho, relacionamentos, amizades, hobbys, empregos, conquistas, e foram tantas conquistas, quantos momentos de satisfação e bem-estar pude vivenciar, porém, logo eles deixavam de fazer sentido, claro, eles eram instantes, eram substitutos do real alimento que eu buscava - me sentir amada.
Assim, aquela ilusão de que as crianças estavam "à salvo" no conto logo é desfeita, com a figura da bruxa, que representa as frustrações e decorrências da avidez, gula e ansiedade.
A velha senhora, que a princípio se mostrava boa, mais tarde aprisiona os irmãos. E aqui, o conto nos fala sobre as consequências de ser demasiado inocente e ter a confiança cega. Quanta inocência vi em mim nessa caminhada, quantas vezes o mundo passou por cima da minha pureza para se beneficiar da minha bondade e entrega.
Entretanto, as crianças conseguem se livrar das ameaças e dos castigos ao acessarem sua força interior, coragem, espírito de equipe e criatividade. Eles saem carregando as riquezas da velha má, e isso me aponta para a sabedoria que adquirimos quando passamos por difíceis situações na vida e o quanto podemos transmutar toda dor em amor.
Na história, a bruxa morre e a madrasta também, acontecimentos relacionados pois, de alguma maneira, essas personagens estão conectadas pelo mal que causam aos irmãos. E o mal que me assombrava parece ter chegado ao fim.
A sensação de ter experienciado tudo isso e ter permanecido com minha essência intacta me fez viver um reencontro lindo com o meu pai, mesmo que por pouco tempo, pois ele já transcendeu para o mundo espiritual, mas tempo o suficiente para que minha criança recebesse o amor de graça que lhe faltou.
Quando olhei no fundo dos olhos deste homem que tanto amei, e o contaminei com o meu amor, fomos tomados de bênçãos, de sensações maravilhosas e de milagres.
A gratidão que sinto por ter passado e vencido essa floresta só não é maior que a gratidão que sinto pelo novo mundo que se abriu para mim.
Hoje vejo que a menina que passou uma vida buscando apenas por um pouco de amor, hoje, recebe uma avalanche de amor todos os dias.
Certamente meu pai, do céu, escolheu a dedo a pessoa para fazer isso para mim.
Abrir meus olhos pela manhã tem sido algo maravilhoso por saber que esse ser humano abençoado estará comigo mais um dia, me amando, protegendo e aprendendo comigo sobre a linguagem do amor.
Quero hoje, ao lado dele, mostrar ao mundo que o amor cura, salva, liberta. Que andar de mãos dadas é potência imbatível. Que sonhar junto é o início da realização.
Passaria por todas as florestas do mundo para me tornar quem me tornei se no final de todas elas eu o encontrasse.
E agora, é com ele que sigo, enfrentando o mundo, tirando pedras do caminho e semeando no lugar de todas elas, flores.
Sei que nossa história será contada por muitos, como um conto bem-sucedido do amor.
Por: Patrícia Werner