Em verdade, pouco sei sobre vocês.
Não sei das suas batalhas e sofrimentos, nem das suas limitações e conflitos mas imagino que foram muitos porque a história da humanidade é repleta de segredos, penúria, perda e exclusão.
Certamente vocês criaram expectativas e tiveram desejos secretos; fizeram planos e se empenharam para realizá-los. Se conseguiram isso, não sei, entretanto sinto em minha alma que lhes foram exigidos sacrifícios e renúncias a fim de que a vida seguisse seu curso e, através de vocês, ela chegou a mim.
Sou o sonho de todos vocês juntos!
Sinto muito, queridos antepassados, pois reconheço que, até agora, pouco olhei para a minha ancestralidade, para as minhas raízes que são vocês.
O que sei sobre vocês?
Sei apenas que no século 19 deixaram para trás a Europa e que, nessa época, tiveram nacionalidades portuguesa, francesa e italiana.
Sei que se estabeleceram no Brasil, esta pátria que verdadeiramente amo, nas ricas terras mineiras, hospedeiras generosas de recursos naturais e involuntariamente causa de infindáveis disputas sangrentas.
Gratidão queridos antepassados por terem eleito a Terra de Santa Cruz - bendita nação tutelada pelo Cristianismo cuja ética algum dia se tornará realidade.
Gratidão por terem fincado as suas raízes nas Minas Gerais, através das suas vitórias, sim, das suas vitórias, pois alguém sábio já disse que "toda vida é vitoriosa".
Os meus queridos avós paternos, "G" e "D", e, maternos, "P" e "D", chegaram e a sua fertilidade produziu bons frutos, dentre esses frutos os mais queridos pra mim são os meus pais "J" e "T".
Gratidão queridos antepassados por essa bênção.
Vejo que também pouco olhei para os meus queridos avós. Sinto muito.
Querido vovô "G", a sua descendência portuguesa me fez apaixonada pelas padarias e não posso ver uma que nela adentro e me presenteio com as suas delícias.
Reconheço seu esforço de acertar e o bom presente que o senhor me deu, que é a vida do meu pai.
Gratidão.
Querida vovó "D", a sua descendência francesa me fez buscar aprender a língua falada pela sua gente, que hoje reconheço é também minha!. Me fez sonhar com a France da Belle Époque, e apaixonada pelo maravilhoso crème chantilly.
Recentemente, vovó, na minha constelação soube do seu imenso sofrimento tão menina, cuja dor ainda ecoa insistentemente na nossa família por meio do autismo de seu neto e trinetos.
Sinto muito vovó porque não conseguimos trazer paz ao nosso sistema e aqueles que não puderam vir, aqueles que vieram e foram rejeitados, aqueles que não foram vistos nem ouvidos clamam por justiça e exigem expiação. Porém, vovó, sou otimista e sou o buscador da nossa família, sei que a força do amor vai promover a reconciliação e curar o nosso sistema.
Gratidão vovó porque mesmo com o seu destino difícil a senhora repassou a vida ao meu pai.
Querido vovô "P", a vida não nos permitiu conviver e percebo hoje, que até mesmo no nome o senhor carregou um trágico destino. Sinto muito vovô.
Me lembro, contudo, quando o senhor já mais velho passou alguns dias em nossa casa, no estado de São Paulo, onde meus pais se instalaram, o que me permitiu acesso a recursos mais amplos. E revejo o seu semblante cuja tristeza encontrou desfecho no câncer que o levou.
A sua história foi triste, um destino pesado, que muitas feridas abriu na nossa família. Mas não importa vovô! As lutas intensas impulsionaram todos a buscar oportunidades e isso é muito valioso! Gratidão.
Agradeço também ao seu pai, o meu bisavô português que lhe repassou a vida por meio do amor a uma mulher filha do solo brasileiro, uma nativa que não sei o nome, mas de quem recebi a força para ser corajosa e leal aos meus princípios. Gratidão a ela, a ele e ao senhor.
Querida vovó "D", a sua ascendência italiana me fez amar o idioma italiano e, talvez, seja a causa da minha eloquência verbal e da minha "quedinha" pelo drama. I italiani sono tutti drammatici, non è vero?
Dizem alguns familiares que a senhora teria nascido durante a travessia do Atlântico e que teria uma irmã gêmea (ou irmãs gêmeas, não sei direito).
Me recordo agora que, quando constelei, me perguntaram se a minha gestação foi gemelar, claro que não soube responder.
Aliás, me recordo também que gravidez de gêmeos ocorreram na linhagem do meu pai, pois seu irmão e seu sobrinho tiveram filhos gêmeos.
Parece que há um padrão, vovó. Tanto do seu lado, que é o materno, quanto do outro lado, que é o do meu pai.
Sinto muito porque não pude conhecê-la, vovó. A senhora partiu muito cedo, bem antes de eu chegar.
Sinto muito porque sei que a sua história foi muito sofrida e exigiu-lhe sacrifícios e renúncias. Muitas. Porém, foi uma vida vitoriosa que me deixou um bom legado, que foi a vida da minha mãe. Gratidão vovó.
Não posso encerrar esta carta de reconhecimentos e de agradecimentos sem me dirigir, queridos antepassados, aos seus descendentes que são os meus pais "J" e "T".
Gratidão queridos papai e mamãe.
Ah, mamãe, a senhora também partiu muito cedo, seguindo a vovó; assim como um dos meus irmãos a seguiu logo. Sinto muito por tudo isso.
Gratidão, queridos papai e mamãe, porque a minha vida lhes custou inúmeros sacrifícios e renúncias, muito trabalho e, se hoje sou a Márcia Campos, assim é porque antes vocês foram, se amaram e me amaram também.
Gratidão porque tiveram seus medos, sentiram suas culpas, realizaram seus esforços, e, porque adubaram generosamente o meu solo que pode se nutrir e que pode também produzir frutos.
Papai e mamãe, repassei a vida que me passaram. Essa foi a forma de demonstrar minha gratidão!
Peço-lhes a sua bênção para ela!
Gratidão infinita!