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SINTOMAS ANCESTRAIS

SINTOMAS ANCESTRAIS
Maithê Luiza Girardello
mar. 4 - 12 min de leitura
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Desde que eu me recordo, ainda muito menina, minha mãe já havia sido diagnosticada com depressão. Lembro que no início ela passava noites e noites em claro. Depois de medicada, dormia por dias, levantando as 17h para comer alguma coisa, conversava o mínimo possível e voltava dormir. Nessa época eu já estava na adolescência, aproximadamente 15 anos de idade. Meu pai estava internado em uma clínica de reabilitação, na qual permaneceu por 1 mês. Eu me virava como dava, como eu sabia.

Era eu quem organizava e limpava a casa e também quem fazia algo para comer. Já nessa época lembro que inverti os papeis com a minha mãe. Depois de um tempo as coisas foram melhorando, de certa forma. Meu pai voltou para casa, minha mãe voltou a dar aulas. Acredito que eu nunca eu tenha visto o brilho nos olhos dela, aquele brilho de entusiasmo pela vida.

Já aos 17 anos, embora nunca tenhamos sido uma família “normal”, eu estava feliz e fui para a faculdade. Meu sonho sempre foi ser médica veterinária. Estava vivendo aquele sonho em outra cidade, era “independente”, responsável, mas... algo sempre me pedia para voltar. Eu sentia que deveria voltar. Então voltei. Depois de uma conversa com a minha mãe, a qual disse que sentia a minha falta, lembro que sem hesitar decidi desistir. Muita gente falava que veterinária não era para mim, que eu não teria reconhecimento, tampouco retorno financeiro.

Então eu engoli o meu sonho.

Os meus pais viveram um relacionamento abusivo desde que eu me recordo. Papai era alcoólatra, nunca chegou a agredir fisicamente a mamãe, mas as palavras a machucavam mais. Ele xingava, gritava, explodia. Era ciumento e possessivo. Mamãe sempre cedia e acatava tudo que ele falava. No entanto, naquele ano, quando eu voltei para casa, por algum motivo, ela se decidiu. Estava decidida em separar-se dele, mas ele, como sempre, não aceitava. Eu achava que ela cederia, desistiria. Entretanto naquela vez foi diferente. Mamãe procurou advogado, fez boletim de ocorrência de ameaça e saiu da casa. Meu pavor era tremendo. Lembro que não demonstrava. Sempre quis ser durona e forte, mas, por dentro, meu coração se despedaçava.

Conforme o tempo ia passando, papai se revoltava. Ele nunca teve limite, naquela época, então… Ele andava armado pela cidade, passava na casa e dava tiros para o alto, especialmente de noite. Os policiais nunca o encontravam, tampouco faziam alguma coisa para nos defender. Naquela época, era eu e mamãe por nós. Durante o dia não tínhamos medo, mas a noite nos escondíamos no meu quarto, pois ele não tinha acesso às janelas, e ficávamos lá, até amanhecer. Algumas vezes dormíamos na casa do vovô.

Lembro que passava as noites em claro, orando para que nada acontecesse. Quando papai foi preso, finalmente conseguíamos dormir e sair na rua sem medo do que poderia acontecer, embora os seus familiares faziam de tudo para nos coagir a desistir.

A prisão, contudo, não durava muito tempo e o pavor voltava a tona.Vivemos nessa angústia por 1 ano, aproximadamente.

Depois, meu pai começou a mudar realmente e mamãe resolveu dar mais uma chance a ele, caso contrário, certamente ele não estaria mais vivo. Naquela época pensei que ela estivesse louca. Não conseguia entender como ela havia tomado aquela decisão, depois de tudo que havíamos passado. No entanto, eles estavam felizes, então eu também estava.

Finalmente podia ser filha e senti que tudo havia acabado. A realidade, no entanto, foi bem outra. Não foi fácil aceitar e voltar a assumir minha posição de filha, depois de anos assumindo postura de mãe. Quando eles voltaram, papai voltou para casa e passaram a viver como se nada houvesse acontecido. Eu me senti sufocada, angustiada. Tive crises de ansiedade e depressão. Já havia tido alguns episódios de bulimia, mas com o passar do tempo eles foram aumentando. Na época, lembro que emagreci 10 kg. Perdi cabelo, parei de menstruar, perdi namorado, perdi meu avô… meu mundo parecia estar de ponta cabeça. Na minha percepção as coisas ainda não tinham melhorado.

Depois de um tempo aumentei a quantidade do álcool, comecei sair com amigos e “curtir” a vida da maneira que achava ideal à idade. Errei muito e carreguei a culpa de alguns atos por muito tempo. Lembro que papai me olhava com decepção… sentia que havia falhado na sua postura e que a culpa de tudo aquilo era dele.

Eu não sei como eu parei, não sei como não me perdi mais ainda.

Conheci meu atual marido, nos apaixonamos e cerca de 6 meses depois decidimos morar juntos. Não tínhamos nada, apenas coragem e paixão. Eu me sentia livre. Embora estivesses as nossas desavenças, em um ano eu sentia que era outra pessoa. Estava curada da bulimia, da anorexia e do alcoolismo. Entretanto, ficava doente o tempo todo. Eu não entendia o porquê. Precisava da ajuda dos meus pais sempre, mesmo estando longe.

Mal entendia eu que precisava da atenção e do cuidado deles, coisas que eu não havia tido quando era criança. Isto porque papai sempre foi caminhoneiro, ficava pouco em casa e, quando ficava, estava sempre bêbado. Mamãe era professora, trabalhava o dia todo e, às vezes, até a noite.

Eu viva sozinha. Com 15 anos de idade comecei a tomar remédios para depressão. Sentia falta deles, queria me sentia amada e desejada por eles. Eles não me viam. Eu tinha necessidades. Carreguei culpa e remorso por muito tempo.

Aos 23 anos de idade descobri que estava com lesões no colo do útero, lesões severas que necessitavam de intervenção cirúrgica. Lembro que contei para os meus pais e eles nem vieram me ver, tampouco me perguntaram como eu estava. Quando fiz a cirurgia minha mãe sequer ficou comigo, até veio durante a tarde, mas passou mal no hospital e voltou para casa. Fiquei 15 dias de cama. Nesses dias, nenhum deles vieram me ver.

Eu me sentia desamparada.

Meses depois descobri que poderia ser alguma coisa mais grave. Tive de ir em um hospital especializado em câncer, no CEONC de Cascavel/PR. Meus pais foram comigo, depois de implorar muito. Graças a Deus, ao livro “o segredo” e aos meus estudos sobre espiritualidade, os exames deram negativos.

Precisava ir apenas para realizar exames de rotina, de 6 em 6 meses. Meus pais foram nas 2 primeiras vezes, mesmo reclamando. Na terceira foi só mamãe e, na quarta, mamãe não pode ir pois o gato dela estava doente. Eu sentia que não era priorizada. Sentia que não era uma filha amada por eles. Eles sempre faziam as coisas sozinhos, esqueciam de mim.

Lembro que no mesmo ano, no dia 31 de dezembro, havíamos combinado de passar a virada do ano juntos. No dia 30 de dezembro, papai informou que ele e mamãe estavam indo viajar. Novamente eu fiquei. Comecei a perceber que estava pedindo e querendo o que eles não podiam me dar. Parei de pedir e de me revoltar. Eu mudei. Eu os aceitei, do jeito de que eram. Comecei a assumir postura de adulta e a me responsabilizar pela minha vida. Parei de pedir e comecei a ir atrás. Desde então as coisas têm mudado. Eles começaram a me olhar, me chamar, me dar coisas que nunca haviam dado antes.

Hoje, meu pai fica decepcionado quando não vou à casa deles aos finais de semana.

Acredito que papai sente-se culpado por tudo que fez e quer compensar os erros e as ausências do passado ficando mais tempo comigo. Mas agora eu sou adulta, tenho as minhas obrigações, os meus afazeres, a minha casa e a minha família. Agora eu quem preciso lidar com a culpa de dizer não. Mamãe ainda pouco me procura. Costumo dizer que ela é “sambar&love”, só faz aquilo que lhe prover. Se não quiser fazer, não faz. Percebo que ela ainda está numa postura de criança, mas entendi que não é o meu papel fazê-la mudar.

Durante essa formação, comecei a questionar os meus antepassados, especialmente sobre as suas infâncias. Foi então que percebi que eles não me deram porque também não receberam, então não sabiam dar. Não tinham para dar.

Papai também tinha um pai alcoólatra, ausente e agressivo. Sua mamãe precisava ser mãe dos filhos e do marido, buscá-lo caído nas valetas e nos bares. Ele também foi órfão. Seus pais, meus avôs, da mesma forma. A vovó perdeu a sua mãe tão cedo, faleceu por problemas cardíacos. Relata que o bisavô não era fácil de aturar. Pouco a pouco vovó foi perdendo seus familiares. Os pais, irmãos, e familiares a quem ela se apegava profundamente.

Não entendo porque, mas existe alguma desavença familiar sobre o dinheiro.

Para eles, o dinheiro sempre foi mais importante. O vovô é um tanto quanto fechado, não dá abertura para as perguntas. Para mim, ele sempre foi presente. Mas tenho pouca informação sobre o seu passado. Percebi que na linhagem de meu pai, a depressão, a ansiedade, o nervosismo, o rancor, o autoritarismo, machismo e o alcoolismo estiveram presentes em diversas gerações. Muitos sintomas são confirmados pela metafísica. Tanto papai, quando meus avós, não tiveram adultos funcionais, portanto não souberam ser. Eles eram órfãos de pais e de mães.

“Queridos antepassados, eu sinto muito.”

A linha sucessória de mamãe não é muito diferente. Seu pai, meu avô, era abusivo, autoritarista, machista, alcoólatra, tivera algumas amantes, e sofreu muito com a saúde. Era obeso, tinha problemas de pressão alta, não aceitava nenhum tempero na comida, não ajudava em nenhuma atividade doméstica, sofria de hemorroidas… Vovó, não tinha vós e vez. Ela relata que era feliz, ainda que houvesses diversas adversidades. No entanto, quando descobriu das traições do vovô, confirma que o seu mundo caiu. Teve depressão, problemas nas juntas das mãos, problema de coluna, insônia... viveu frustrada por muitos anos. Segundo relatos, eles também não receberam amor de graça.

Agora eu entendo. Eu vejo e sinto o quão difícil para eles foi. A maioria de nossa ancestralidade não teve segurança quando criança. Não existia, na época, funcionalidade nos adultos.

Muitos deles tiveram que dar mais daquilo que eles mesmos tinham. Não podiam ser crianças. Desde cedo, precisavam ser adultos. A inversão de ordem é notória e eu, inclusive, assumi postura de mãe dos meus pais por muito tempo. Eu quis salvar os meus pais por anos. Dói voltar para a postura de pequena, mas, ao mesmo tempo, é reconfortante.

Parece que o peso dos meus ombros se vai.

Hoje eu tenho consciência de que não posso mudar os meus pais, assim como não posso salvá-los. Eu sou pequena perante eles.

Ao mesmo tempo, preciso e posso tomar as rédeas da minha vida. Eu sou adulta, eu tenho que cuidar de mim. Eu tenho a obrigação de ser funcional, pois tenho conhecimento e consciência para tanto. E agora eu faço.

Agora eu entendo que estou segura. Eu confio na vida. Eu estou protegida. A vida provê o melhor para mim. Não há mais perigo lá fora.

Eu posso dormir em paz….

 

 

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