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VÍNCULOS DE AMOR INTERROMPIDOS

VÍNCULOS DE AMOR INTERROMPIDOS
Caroline Castro de Mello
set. 12 - 7 min de leitura
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Vocês dizem:

- Cansa-nos ter de privar com crianças.

Têm razão.

- Cansa-nos, porque precisamos descer ao seu nível de compreensão.

Descer, rebaixar-se, inclinar-se, ficar curvado.

Estão equivocados.

Não é isso o que nos cansa, e sim, o fato de termos de elevar-nos até alcançar o nível dos sentimentos das crianças.

Elevar-nos, subir, ficar na ponta dos pés, estender a mão.

Para não machucá-las.

(Korckak,1986)

Assim como declara nossa mestra Olinda, quando ouço falarem:

“Ahhh, bom mesmo era ser criança...” às vezes não consigo me conter e pergunto: Você realmente lembra de como era ser criança? Se lembra, e era mesmo muito bom, me conta mais...preciso ouvir histórias de boas infâncias...

Já ouvi algumas boas histórias, mas, na maioria das vezes, ouço silêncios e esquecimentos.

Laura Gutman, outra mestra que estudo e gosto muito, nos diz que "quase todas as crianças estão doentes de solidão. Mas nós, adultos, não reconhecemos na doença da criança a necessidade deslocada de contato corporal e presença." Ela conta que essa dificuldade de contato corporal e presença com as crianças expressa a nossa repressão sexual.

"A repressão sexual é isso: é medo de tocar a criança porque tocar nos dói. Dói nosso corpo rígido de falta de amor, dói a moral, dói a alma."

Quando se é criança, tudo está para ser descoberto. O corpo, a voz, o ambiente, as outras pessoas. No início, não há separação entre o eu e o outro, entre o eu e o mundo. Quando somos bebês, somos o outro e também somos o mundo. Mas, principalmente, não há separação entre mãe (nosso primeiro mundo) e filho. Aparentemente o cordão umbilical separou aqueles corpos mas, isso só no aparente. O bebê ainda carrega o campo da mãe. E, se não vive essa fusão de forma harmoniosa e amorosa, no tempo certo, pode ficar em busca de viver essa experiência pela vida inteira. 

Aquele amor interrompido torna-se uma obsessão por atenção, afeto, carinho. Ou ainda o contrário, pode formar-se no adulto um corpo tão rígido, frio e amargurado, que nem conseguirá perceber que não consegue viver um amor de verdade. Comigo não foi diferente disso.

Carlos Gonzales nos diz que "as crianças, como os adultos, choram para comunicar, para pedir ajuda. E que nós, adultos, normalmente, quando estamos sozinhos, choramos em silêncio ou sorrimos em silêncio e que choramos alto ou rimos a gargalhadas quando estamos acompanhados, quando alguém nos consegue ouvir."

Vivemos hoje o resultado de uma sequência de gerações que não pode expressar plenamente seus choros e temos o desafio de, após tomada a consciência disso e de todos os efeitos que isso acarretou, mudar a postura.

Sinto dizer que mesmo estudando Januz Korckak, Olinda Guedes, Laura Gutman, Carlos Gonzales, comunicação não-violenta, disciplina positiva...e por aí a fora, deparei-me ainda com muitos bloqueios e dificuldades de lidar com os desafios de ser uma mãe que assume outra postura, mais amorosa, diferente das mulheres que me antecederam.

Os movimentos com a constelação familiar (que começaram antes de eu decidir engravidar - cerca de 7 anos atrás e três anos antes de eu engravidar do meu primeiro filho) me ajudaram bastante a perceber isso e tomar uma postura diferente, sem carregar mágoas e julgamentos.

Posso dizer que somente após a chegada do meu primeiro filho pude ter a consciência maior do movimento de amor interrompido que vivi quando bebê. Certa vez, quando meu filho tinha cerca de dois meses de idade, eu tive um profundo contato com essa criança que fui, em um momento de esgotamento físico e emocional. 

Esperei ele dormir e caí aos prantos, liberando um choro que parecia não acabar mais.

E, nesse momento, pude perceber que meu corpo era o corpo de um bebê. Estava eu ali na cama, encolhida e amedrontada, chorando muito, um choro de soluçar. E, nesse momento, só uma frase me vinha na cabeça: - um colo, por favor, um colo...o que custa me pegar no colo? E me via ali, como um bebezinho que só queria sentir minha mãe junto de mim.

Minha mãe conta que eu, quando bebê, tinha muita dificuldade para dormir e chorava muito. Ela ainda dizia: "- Eu quase dormia te embalando no carrinho e você não parava de chorar",  mas como diz Carlos Gonzales, dificilmente a criança terá dificuldade para dormir se estiver sentindo o corpo da mãe perto do seu.

Mas facilmente um adulto não disponível afetivamente pode olhar para uma criança que chora e clama por contato e ver um problema na criança.

Esse tipo de aprendizado parece de fácil entendimento e um tanto quanto básico, porém, só me dei conta do quanto era sofrido para mim estar disponível para meu filho depois que fiz essa liberação, em conexão com minha criança.

Antes eu tinha o conhecimento (enquanto informação mental apenas) de que cada vez que precisava acolher meu filho, ali estava a oportunidade de me acolher também. Porém, a consciência sistêmica, aquele saber da alma, só chegou quando senti realmente a exaustão do dar, a dificuldade de dar aquilo que eu não recebi, em meu primeiro puerpério. 

As exigências que meu filho me requeria (naturais de um bebê), no início me pareciam  tão penosas e desgastantes...

E, com o passar dos dias fui me rendendo a essa entrega necessária.  Eu não sentia mais aquela exaustão imensa ao ter que amamentá-lo dia e noite. O processo passou a ser mais fluído e comecei a encontrar o prazer do contato. Para alcançar esse lugar: de prazer, amorosidade e entrega, foi necessário passar por essa liberação intensa da dor da ausência do contato.

Dessa forma, fui permitindo que as couraças fossem se soltando e fui construindo um outro corpo: um corpo de mãe. Assim, posso dizer que a mãe do meu primeiro filho veio a nascer depois daquele dia, em que olhei mais profundamente para o bebê que fui, dois meses depois do meu primeiro parto.

Nem sempre nasce uma mãe quando nasce um bebê. Mas, sempre que nasce um bebê, nasce uma possibilidade de cura de muitas crianças.

Referências citadas:

  • O poder do Discurso Materno, de Laura Gutman
  • Besame Mucho - Carlos Gonzales
  • Quando eu voltar a ser criança - Janusz Korczak

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