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Adoção Sistêmica

Adoção Sistêmica
MILENA PATRICIA DA SILVA
fev. 5 - 7 min de leitura
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Ainda na graduação de Direito, me deparei com algo que ao meu ver era bizarro. Era aula de direito de família e a professora explicava sobre adoção. Eu fiquei perplexa ao descobrir que quando os pais biológicos eram destituídos do poder familiar os filhos eram entregues para adoção e nada sobre seu passado seria mencionado, e que eles perdem totalmente o vínculo e o contato com os pais biológicos.

Ou seja, a minha leitura sobre tudo isso foi: pegam o filho, passam uma borracha no seu passado, entregam para outra família como se a vida daquele indivíduo iniciasse a partir dali!! Sem direito de saber de onde veio, quem é sua família de origem, qual o nome e origem dos seus pais.

Uau! Para mim, foi de tirar o fôlego essa informação. Não por defender pais que abandonam e/ou maltratam seus filhos. Mas simplesmente, por eu entender que além de filho, aquele ser é um indivíduo com sentimentos e desejos.

Essas reflexões por vezes, não são feitas por quem vai adotar uma criança. Diga-se de passagem, em sua maioria, as pessoas que procuram filhos para adotar, querem um perfil específico. Quero um bebê, ou uma criança sem deficiência, ou menina, loira, afro... seja qual for. Selecionam até a cor do olhos, como se fosse um restaurante do Subway. Já viram a ficha cadastral para os interessados em entrar na fila de adoção? Sim, é bem assim!

Então, esses candidatos a pais estão na fila com a intenção de serem pais de crianças sem passado. Sem história. E sabe o que acontece com essas relações no futuro?

Agora o que vou dizer não é história para boi dormir, é fato, comprovadamente, experiência vivida de consultório, inúmeros relatos. 

Essas relações são construídas com bases muito frágeis e no futuro tendem a ruir. São os famosos casos: "dei de tudo, e mesmo assim não dá valor", "fiz de tudo, dei a vida que os pais dele/a não poderiam dar, e mesmo assim me odeia".

Acontece que nós temos um coração e um sentimento de lealdade com nossa família de origem. E quando isso nos é retirado, simplesmente nos revoltamos. Tudo isso  é no nível inconsciente. Mesmo que não saibamos o  motivo acabamos sendo levados a agir em "defesa" dessa história.

Se a criança percebe que seus pais biológicos não são amados e incluídos pelos pais adotivos, ela também passa a odiar os pais adotivos. 

Muitos pais adotivos têm medo de revelarem a identidade dos pais biológicos e perderem os seus filhos. Mas a lógica aqui deve ser outra. O filho adotivo que sente liberdade para amar seus pais  biológicos dá muito valor e honra a seus pais adotivos. 

A postura correta aqui, é reconhecer que os pais adotivos entregaram o bem mais precioso aos pais biológicos. A vida, apesar de tudo, conseguiu prevalecer. Então o principal foi feito. Entregar a vida foi um ato de extrema coragem, e assim essa criança pôde  vir ao mundo.  O sentimento de gratidão por aquela vida deve ser superior ao medo de perder. 

Quando se pensa sistemicamente, estamos pensando no benefício mútuo. E principalmente, no caso da adoção, no bem daquela criança.

Uma criança adotada que sabe, em seu coração, que seus pais biológicos estão sendo honrados e incluídos, consegue tomar a vida e fazer dela algo especial. 

Adoção sistêmica é deixar o coração escolher. É não se preocupar com as circunstâncias. Olinda Guedes diz que assim como não escolhemos os  filhos biológicos que iremos ter, também não devemos escolher os adotivos. Ela sempre acalentou o grande sonho de se tornar mãe. Fez tudo que esteve ao seu alcance para que isso se realizasse pela via biológica. Porém, não aconteceu. Algum tempo depois, ela mesmo, sem estar na fila de adoção, adotou sete filhos. A filha, que chegou primeiro, é Nina. Quando a recebeu, ainda na maternidade, realizou um ritual lindo de entrega e gratidão com a mãe biológica de Nina.  Depois de Nina, vieram os sêxtuplos, sete irmãos! O que Olinda fez foi dizer sim. Em um ato de muita coragem, disse sim. Ela teve congruência com o sonho dela de tanto tempo, de ser mãe. E conta que esse sonho existia desde os 4 anos de idade. O genitor dos sêxtuplos já não está mais aqui. Com a genitora e os avós por parte do genitor, há contato telefônico e os filhos, sempre que estão saudosos, são atendidos para falar com eles. Em casa, têm liberdade de relatar suas histórias e são ouvidos com total reverência; são também encorajados a guardá-las com igual respeito, não dando publicidade indevida a fim de evitar julgamentos, incompreensões e mau juízo.

Coragem, porque sabemos que é desafiante criar os filhos, oferecer a eles qualidade de vida e tudo que achamos que um filho mereça. 

Esse foi um exemplo de adoção sistêmica.

Eu não sou romântica ao ponto de achar que não existem situações extremas em que a única forma é destituir o poder familiar. Mas penso que isso deve ser olhado com muito cuidado. 

Sou a favor, sim, de que os filhos adotivos saibam quem são seus genitores e sua família de origem. Penso que isso é o justo e equilibrado. Lembrando, que devemos individualizar cada caso, porque isso tudo deve ser analisado em cada caso concreto. Hoje, o ordenamento jurídico autoriza que o adotado tenha o direito de conhecer sua origem biológica apenas aos 18 anos. Viabiliza também o acesso ao processo de adoção ao menor de 18, desde que sejam asseguradas orientação e assistência jurídica e psicológica.

Mesmo com essa possibilidade, existe muita fragilidade no que tange o tema.

Para mim, nosso sistema judiciário deveria rever algumas questões relacionadas a isso. Enquanto existir exclusão, haverá conflitos. O filho que percebe que seus genitores e sua família de origem estão sendo banidos, se sente indigno de viver, e faz de tudo para ser leal ao seu sistema. Ou seja, se os genitores eram usuários de drogas, álcool ou estão presos, ou tem qualquer situação que é julgada como ruim, pior, inadequada, esse filho acaba seguindo o caminho dos genitores. De modo inconsciente.

Excluir é o atestado para repetir!

Que o nosso sistema de justiça se alinhe cada vez mais à justiça sistêmica, não porque ela é a melhor e mais perfeita. Mas está mais próxima de proporcionar olhares humanizados, inclusivos, e que traduzem em soluções mais efetivas para as demandas jurídicas. 

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