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Meditações sobre a felicidade’, uma crônica fascinante de Rubem Alves

Meditações sobre a felicidade’, uma crônica fascinante de Rubem Alves
Márcia Regina Valderamos
out. 28 - 4 min de leitura
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“Reli, faz poucos dias, o livro de Hermann Hesse: O jogo das contas de vidro. Bem ao final, à guisa de conclusão, está este poeminha de Rückert:

Nossos dias são preciosos

mas com alegria os vemos passando

se no seu lugar encontramos

uma coisa mais preciosa crescendo:

uma planta rara e exótica,

deleite de um coração jardineiro,

uma criança que estamos ensinando,

um livrinho que estamos escrevendo.

Esse poema fala de uma estranha alegria – aquela que se tem diante da coisa triste que é a passagem do tempo. A alegria está no jardim que se planta, na criança que se ensina, no livro que se escreve. Senti que eu mesmo poderia ter escrito essas palavras, pois sou jardineiro, sou professor e escrevo livrinhos.

Imagino que o poeta jamais pensaria em se aposentar. Da alegria não se aposenta. Algumas páginas antes, o herói da história havia declarado que, ao final de sua longa caminhada pelas coisas mais altas do espírito, dentre as quais se destacava a familiaridade com a sublime beleza da música e da literatura, descobrira que ensinar era algo que lhe dava prazer igual, e que o prazer era tanto maior quanto mais jovens e mais livres fossem os alunos das deformações que as escolas produzem.

Ao ler o texto de Hesse, tive a impressão de que ele estava repetindo um tema que se encontra em Nietzsche, no prólogo de Assim falava Zaratustra. Antes o filósofo já havia escrito que não existe felicidade maior que “gerar um filho ou educar uma pessoa”. E é com o anúncio dessa felicidade que Zaratustra inicia sua missão de educador.

Quando Zaratustra tinha 30 anos de idade, deixou sua casa e o lago de sua casa e subiu para as montanhas. Ali ele gozou do seu espírito e da sua solidão, e por dez anos não se cansou. Mas, por fim, uma mudança veio ao seu coração e, numa manhã, levantou-se de madrugada, colocou-se diante do sol e assim lhe falou: “Tu, grande estrela, que seria de tua felicidade se não houvesse aqueles para quem brilhas? Por dez anos tu vieste à minha caverna: tu te terias cansado de tua luz e de tua jornada, se eu, minha águia e minha serpente não estivéssemos à tua espera.

Mas a cada manhã te esperávamos e tomávamos de ti o teu transbordamento, e te bendizíamos por isso.

Eis que estou cansado na minha sabedoria, como uma abelha que ajuntou muito mel; tenho necessidade de mãos estendidas que a recebam. […] Mas, para isso, tenho de descer às profundezas, como tu o fazes na noite e mergulhas no mar […]. Como tu, eu também devo descer […]. Abençoa, pois, a taça que deseja esvaziar-se de novo […]”.

Assim se inicia a saga de Zaratustra, com uma meditação sobre a felicidade. A felicidade começa na solidão – uma taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. Mas vem o tempo em que a taça se enche. Ela não pode mais conter aquilo que recebe. Deseja transbordar. Acontece assim com a abelha que não consegue mais segurar em si o mel que ajuntou; acontece com o seio, túrgido de leite, que precisa da boca da criança que o esvazie. 

A FELICIDADE SOLITÁRIA É DOLOROSA!

Zaratustra percebe então, que sua alma passa por uma metamorfose. Chegou a hora de uma alegria maior – a de compartilhar com os homens a felicidade que nele mora. Seus olhos procuram mãos estendidas que possam receber sua riqueza. 

Zaratustra, o sábio, transforma-se em mestre.”

Rubem Alves, no livro “A pedagogia dos Caracóis”. Campinas/SP: Verus, 2011.

A PEDAGOGIA DOS CARACOIS - 1ªED.(2010) - Rubem Alves - Livro

PUBLICADO EM “REVISTA ECOS DO SABER”

 


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