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AS DOENÇAS CONTRAÍDAS PELOS IMIGRANTES DURANTE A TRAVESSIA OCEÂNICA PARA O BRASIL - 4/4

AS DOENÇAS CONTRAÍDAS PELOS IMIGRANTES  DURANTE A TRAVESSIA OCEÂNICA  PARA O BRASIL - 4/4
Márcia Regina Valderamos
mai. 14 - 7 min de leitura
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4ª E ÚLTIMA PARTE:

OS QUE NÃO PUDERAM FICAR - O TORNA-VIAGEM

 

“O Vapor Carlo R., de passageiros, cortando o oceano
e perdendo sempre doentes de cólera morbus,
faz lembrar alguma coisa horrorosamente fantástica,
que o próprio Dante não descreveu nos seus círculos infernais:
insensivelmente recorda a lenda de Ashaverus,
deixando o horrível morbo após si em todos os lugares
por onde passava.”
(RMJNI, Relatório da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos,
1894-1895: A-S-10 – Inspetor Dr. José de Souza da Silveira).

Entre os meses de agosto e setembro de 1893, quase seis mil pessoas tiveram seus destinos alterados. Ao se aproximarem do porto do Rio de Janeiro, quatro vapores italianos que carregavam cerca de 1.500 imigrantes, após um mês de viagem, tiveram que retornar para seus portos de embarque, abortando o sonho de indivíduos e famílias que deixavam suas pátrias em busca de melhores condições de vida.

A cólera, que em 1892 irrompera na França, já havia invadido vários países europeus, atravessado o Atlântico e adentrado os Estados Unidos. Os vapores, aglomerados de emigrantes, levavam consigo a doença pelos portos por onde passavam.

Em abril de 1893, representações diplomáticas brasileiras no exterior começaram a enviar avisos oficiais sobre a propagação da cólera por portos europeus.

Os navios de imigrantes procedentes de tais localidades deveriam ser recebidos nos portos da República somente após passarem por "tratamento" sanitário: a desinfecção, com o uso de produtos químicos ou do vapor d'água, da embarcação, das bagagens, das roupas e dos objetos pessoais dos passageiros. A desinfecção era realizada no Lazareto da Ilha Grande – localizada no sul do Estado do Rio, no município de Angra dos Reis –, para onde os navios deveriam se dirigir, quando os serviços sanitários identificavam casos suspeitos ou confirmados de doentes (AN. Série Saúde, notação ISI-96 - MJNI, Serviço Sanitário, abril de 1893).

Com o recrudescimento da epidemia, o governo brasileiro suspendeu a corrente imigratória, recusando os imigrantes transportados em vapores saídos da Itália e da Espanha depois de 16 de agosto de 1893. Todos os portos franceses e africanos do Mediterrâneo foram declarados "infeccionados". Foi imposta a quarentena para "navios infectados ou suspeitos" de cólera e só no começo do ano de 1894 a situação se normalizou, sendo liberada a imigração de locais considerados livres da epidemia.

Dentre as medidas profiláticas e defensivas, o "torna-viagem" – isto é, o retorno ao porto de origem – era utilizado em casos extremos, quando havia uma grande quantidade de doentes e mortos a bordo. Infelizmente foi este o caso dos quatro vapores com imigrantes que adentraram o porto do Rio de Janeiro entre os meses de agosto e setembro de 1893.

O paquete "Remo", que havia saído de Gênova no dia 15 de agosto, foi declarado "infeccioso" no dia 16, chegando ao porto de Nápoles dia 17. Ele estava com excesso de passageiros – 1.494 pessoas apinhadas - e as condições sanitárias eram péssimas.

Três passageiros haviam morrido e, ao chegar ao ancoradouro do Lazareto da Ilha Grande, outros três tinham contraído a moléstia. O "Remo" não foi admitido "à livre prática nos portos do Brasil". Proibido de entrar de entrar no país, foi obrigado a retornar ao seu porto de origem. Ao retornar viagem, mais de 60 pessoas foram atacadas pelo flagelo.

Conforme informações do consulado brasileiro em Barcelona, acreditava-se que a cólera havia chegado à Espanha junto com o navio italiano quando este voltava do Brasil, pois a epidemia começara a grassar em Tenerife, nas Ilhas Canárias (RMJNI – Relatório da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, 1894-1895: A-S-9).

O vapor "Andréa Doria" chegou à Ilha Grande em 12 de setembro. Havia partido de Nápoles justamente na data de proibição da entrada de imigrantes no Brasil – 16 de agosto. Os passageiros se encontravam aglomerados e em péssimas condições de higiene e asseio, tendo ocorrido durante a viagem 91 casos fatais de cólera. Como existiam ainda muito doentes à sua chegada, foi ordenado o "torna-viagem" (RMJNI – Relatório da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, 1894-1895: A-S-9). Quatro dias depois foi a vez do vapor "Vincenzo Florio" aportar na Ilha Grande, em condições idênticas às do vapor "Remo". Mesmo após a sua chegada, as pessoas continuaram a adoecer, tendo de retornar a viagem (RMJNI – Relatório da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, 1894-1895: A-S-9).

O vapor "Carlo R." partiu de Gênova em 27 de julho. Em Nápoles recebeu 1.300 emigrantes, seguindo viagem no dia 29 em direção ao Rio de Janeiro. O primeiro óbito ocorreu no dia 31. "O comandante, ao invés de retroceder viagem para o lazareto de Nápoles, onde os doentes poderiam ter recebido tratamento, continuou a viagem, informando às autoridades que os casos não eram de cólera, mas de gastroenterite". No decorrer da viagem, que durou mais de 20 dias, outros passageiros faleceram. Como o vapor era pequeno, não havia local para isolar os doentes. Ao chegar ao Lazareto da Ilha Grande, no dia 24 de agosto, havia mais de 100 mortos a bordo, e era possível que tivesse ainda um número considerável de doentes e mortos, pois o vapor "exalava um cheiro fétido" ((RMJNI – Relatório da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, 1894-1895: 10-11; RMJNI, 1893 e 1894: 280).

A viagem transoceânica, realizada pelos imigrantes dentro dos vapores, era cheia de situações de risco – a aglomeração de pessoas, a insalubridade dos navios e a má alimentação – que, frequentemente, provocavam alguma enfermidade. Este adoecer possuía certas especificidades e carregava em si uma série de consequências que poderia transformar os destinos daquelas pessoas de forma individual e coletiva. A primeira delas era a possibilidade de uma epidemia a bordo, fato que, naquele período e naquelas circunstâncias, tornava-se quase impossível de ser controlada.

O medo generalizado do contágio de doenças levou os médicos a desempenharem um papel preeminente nos portos onde os imigrantes chegavam. Ainda que no século XIX não se conhecesse a etiologia das principais doenças que afetavam as populações, sabia-se que algumas eram transmissíveis, ligadas a aglomerações de pessoas em um mesmo local e a "maus hábitos higiênicos". Compreendia-se ainda que em alguns lugares certas doenças eram prevalentes, como a peste bubônica na Ásia e a febre amarela no Caribe, e que poderiam tomar forma de epidemias a partir da comunicação entre populações (Weindling, 1995: 1-16).

A circulação de infecções entre continentes, proporcionada pelo grande fluxo de pessoas e mercadorias, demandava a intervenção do Estado. Foi necessário criar instituições para gerenciar, recepcionar e inspecionar passageiros, em especial os que viajavam na 3ª classe dos vapores, em sua maioria imigrantes.

Pesquisado em:

http://www.ppghcs.coc.fiocruz.br/images/teses/tese_fernandarebelo.pdf

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21862011000100004

- Serviço Sanitário do Porto do Rio de Janeiro: Boletim Trimestral, RJ – Direção dos socorros médicos aos homens do mar. Publi: RJ, Lith, Paulo Robin, (189?). Acervo Cartográfico da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, local: ARC.005,01,008 ex 1ARC.013,01,014 cartog. ex 2ARC.014,05,020 cartog. ex. 3.

- JORNAIS: Correio da Manhã; Gazeta da Tarde; Cidade do Rio; Gazeta da Bahia.

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